Uma manhã no Museu
Acordei em Zagreb, depois de algumas horas no ônibus da Flixbus, o amigo dos mochileiros. Entre um país e outro, durmo no ônibus e intercalo com hostels. Dá para economizar tempo e dinheiro. Mas vale lembrar que não tenho mais vinte anos! As costas doem.
A cidade, capital da Croácia, abriga um lugar singular: o Museu dos Relacionamentos Rompidos ou dos Corações Partidos. Criado pelos artistas Olinka Vištica e Dražen Grubišić após o término do próprio relacionamento, o museu guarda objetos doados por pessoas do mundo todo. Cada item vem acompanhado de uma história real de amor e perda.
🎧 Velha Infância
Para ouvir enquanto faz sua leitura
Relíquias de Amores Passados
Durante minha visita, vi itens que variavam de um vestido de noiva nunca usado a um vibrador caseiro, guardado como lembrança de um relacionamento. Cada objeto narrava uma história única de dor, superação ou até mesmo humor.


Eu não quero imaginar como ela fez o molde. Mas, infelizmente imagino e, me intriga a escolha da cor.
Nem tudo ali era engraçado ou inusitado. Algumas histórias mexem fundo. Como a do vestido de noiva nunca usado.
O Vestido de Noiva
Entre tantos objetos do museu, um deles me fez parar por mais tempo. Um vestido de noiva, que nunca chegou a ser usado. O casal se conheceu em 2014, ficaram noivos, marcaram o casamento pro verão seguinte – era o sonho dele. Faltava pouco. Uma semana antes da cerimônia, tiraram as fotos pré-wedding. No dia 28 de junho de 2016, ele saiu do trabalho, foi pro ponto de ônibus... e nunca voltou. Morreu num atentado.
Ela ficou com o vestido. Não como símbolo do que não aconteceu, mas do que queria lembrar: o dia em que ele ainda estava aqui.
🔗 Um Pingente em Forma de Algema
Ela era sua psicóloga há três anos e meio. Um dia, disse que não poderia mais atendê-la. Seis meses depois, a procurou de volta – dessa vez, para amar. Começaram a namorar. Moraram juntas por um ano e meio. Em algum momento, ela deu esse pingente com uma algema de aço: um símbolo do que viviam, quase como um casamento.
Mas a relação acabou. Não por falta de sentimento, mas porque ela nunca conseguiu sair do armário. A narradora tinha 22. Ela, 36. Hoje, está casada com um homem, e diz que nunca conseguiria aceitar ser gay.
Algumas histórias do museu não têm final trágico. Mas têm esse silêncio que pesa – o de uma vida que não pôde ser vivida por inteiro.
✒️ A Caneta e a Memória
[digna de fazer parte da exposição no Museu]
Faço aniversário em outubro, ele fazia em novembro. Eu ganhei de presente da minha mãe uma caneta linda, e ele ficou encantado com ela. Pediu. Não dei. Era especial, um presente. Resolvi então comprar uma igual para dar de aniversário no mês seguinte. Descobri qual era a loja onde minha mãe havia comprado, não tinha mais. Comprei uma parecida, que ele usou uma ou duas vezes, no máximo.
Um tempo depois, quando ele já havia partido, eu organizava suas coisas e encontrei a minha caneta – aquela que eu não tinha dado. Ele pegou assim mesmo. Ri sozinha no meio do choro.
Nunca imaginei que existisse um museu para histórias assim. Se eu ainda tivesse essa caneta, após dezoito anos, doaria sem pensar. Porque, no fim das contas, ela acabou voltando para mim – só que do jeito mais triste. Percebi como objetos carregam significados profundos e como, com o tempo, nossas percepções sobre eles podem mudar.
O Silêncio das Histórias
Saí do museu com a sensação de ter lido um livro escrito a mil mãos. Histórias curtas, mas intensas. Algumas absurdas, outras delicadas, todas profundamente humanas. Não eram apenas relatos de corações partidos, mas, o que cada um fez com os pedaços. O que eu fiz com os meus pedaços.
Sentei na cafeteria do museu para tomar um café e deixar as histórias assentarem. Tem coisa que precisamos digerir devagar.
Clichê do dia
Contar também é uma forma de cuidar da dor. Mesmo quando ela já passou. Ou parece que passou.
Paradoxos
Enquanto eu tomava meu café, reparei no bom humor das frases que decoravam o ambiente. Em meio às histórias de dor, também encontrei o sarcasmo.
E lá fora, as juras de amor eterno. Cadeados e promessas de relacionamentos que provavelmente duraram menos que seus símbolos.


Lendo, foi mesmo essa sensação de um livro escrito a mil mãos
eu tenho muita curiosidade de conhecer esse museu... acho a ideia genial!