Este texto faz parte da série Cafés pelo Mundo, que será publicada ao longo do mês de fevereiro. Em cada Ensaio, compartilho experiências e reflexões vividas em diferentes lugares, explorando não apenas o sabor, mas as histórias, o ambiente e as conexões que esses espaços proporcionam.
Vale a Pena Ler de Novo
Um texto sobre uma fazenda de café no Quênia, do tipo Arábica, que é uma das variedades mais apreciadas no mundo. E o Museu do Café, em Santos/SP, principal motor da economia brasileira do século XIX.
☕️ Cafés pelo Mundo
Sabe aqueles momentos que parecem feitos para uma pausa? Um café na mesa, o clima certo, tudo ao redor parecendo entrar em câmera lenta. Momentos como esse têm um sabor especial, e o café parece ser sempre o centro deles -pelo menos para mim.
Não é só a bebida, é a experiência. A chance de observar as pessoas, sentir o lugar e, às vezes, deixar a mente divagar. Um cantinho escondido ou um lugar cheio de história, sempre saio com uma lembrança que fica guardada e pronta para ser servida revisitada a qualquer momento.
Crescendo na periferia, a ideia de tomar café em uma cafeteria parecia algo sofisticado, reservado para outros mundos. Hoje, percebo que é mais do que sofisticação – é encontro, memória e conexão com o momento presente.
Ainda que o Dia do Café no Brasil seja só em 14 de abril, aproveito para contar algumas experiências que já vivi em cafeterias ao redor do mundo, afinal, é sempre tempo de conhecer um pedaço da história que cada xícara traz.
🎬 Corta pro Pub
Uma das coisas que mais gosto nos pubs ingleses é a flexibilidade. Você pode começar o dia com um café, voltar na hora do almoço para um prato quentinho, passar à tarde para um lanche ou aparecer à noite só para tomar uma cerveja. Ou então, como já fiz muitas vezes, aproveitar tudo no mesmo dia e lugar, sem frescura.
E tem o charme, né? Aquela madeira escura, as cadeiras que rangem, o ambiente que parece abraçar você - tradição com praticidade. O tipo de lugar que funciona para qualquer momento do dia.
🎬 Corta pro Brasil
Nos anos 90, o Brasil viveu um boom de pubs, impulsionado pelo encanto da cultura britânica, que sempre carregou um certo ar de sofisticação e novidade para o público brasileiro. Na época, a globalização estava em alta, e referências culturais internacionais estavam ganhando força no país, especialmente nos grandes centros urbanos. Os pubs ofereciam algo diferente dos bares e botecos tradicionais: um ambiente mais acolhedor, com decoração temática, boa música (geralmente rock e pop britânico), cervejas importadas e até cardápios que misturavam pratos típicos da Inglaterra, como fish and chips, com opções mais conhecidas por aqui. Era uma alternativa descolada e "moderna" para a classe média que queria algo fora do lugar-comum.
Inicialmente, a ideia deu muito certo porque trazia uma experiência nova para os brasileiros. Mas, com o passar do tempo, o conceito começou a perder força e cair no esquecimento.
Primeiro, a falta de adaptação ao gosto e ao estilo brasileiro. Muitos deles insistiam em reproduzir o formato britânico sem considerar o que o público local queria. Enquanto isso, os botecos brasileiros se reinventaram, oferecendo cervejas artesanais, porções variadas e ambientes que resgatavam a "cara" do Brasil, algo que acabou conquistando mais o coração do consumidor.
Os pubs também enfrentaram dificuldades em manter a experiência "diferenciada" – a popularização de eventos como shows de rock em outros lugares, a concorrência com novos bares temáticos e até o custo elevado de manter cervejas importadas no cardápio acabaram afastando clientes. O público mudou: o brasileiro passou a valorizar mais os ambientes informais, com preços acessíveis e maior conexão com a cultura local.
Por fim, o boom se dissipou porque muitos não conseguiram se reinventar e acabaram perdendo o apelo de novidade. Aquilo que era cool nos anos 90 começou a parecer datado nos anos 2000. Mas eles deixaram sua marca, ajudando a diversificar o cenário de bares no Brasil e abrindo espaço para uma nova geração de estabelecimentos que misturam influências globais e locais.
Se você é um Baby-boomer ou Geração X, me conta como foi sua experiência com Pubs no Brasil
🍻 Pub & Café
Na Inglaterra, os pubs são uma verdadeira instituição cultural, servindo como pontos de encontro para todas as ocasiões. Um exemplo é The Eagle, em Cambridge, inaugurado em 1667 como uma estalagem – tipo de hospedaria ou pousada muito comum nos séculos XVII e XVIII, que atendia viajantes se deslocando em diligências: carruagens utilizadas como meio de transporte público ou privado na época. Esses locais ofereciam serviços como refeições, descanso para os viajantes e estábulos para cuidar dos cavalos.
The Eagle continua em atividade e está repleto de histórias fascinantes. Foi ali que, em 28 de fevereiro de 1953 se anunciou a descoberta do "segredo da vida"
🎧 Hotel California
Para ouvir enquanto faz sua leitura
Minhas lembranças funcionam muito bem com música e imagens. E uma das canções que tocou no dia em que visitei The Eagle, foi Hotel Califórnia.
Num fevereiro qualquer, daqueles dias em que o sol aparece, mas não aquece muito, e o ar gelado faz as bochechas corarem, não as minhas. Lá estava eu em Cambridge – uma cidade linda, uma universidade ao ar livre, com prédios que me fizeram sentir parte de algo muito maior. Coincidências à parte, a música é da banda Eagles.
🛋️ Senta, que lá vem a história
Eu tenho uma mania que é quase um ritual: toda cidade que visito, preciso parar para tomar um café. Pode ser numa cafeteria charmosa, Instagramável, num cantinho escondido ou até num pub. Não é só sobre o café, mas aquele momento – sentar, observar, sentir o ritmo do lugar. E foi isso que me levou ao The Eagle, em Cambridge.
Se você já passou por essa cidade, sabe que ela tem esse ar de atemporalidade. Tudo ali guarda uma história — e, às vezes, você tropeça em uma sem nem perceber. Foi o que aconteceu comigo quando entrei no pub achando que ia só esquentar as mãos com uma xícara de café. Mal sabia eu que estava prestes a ser “abraçada” por um lugar que carrega uma infinidade de memórias.
Foi ali, em um pub de aparência comum, que Watson e Crick anunciaram a descoberta da estrutura do DNA em 1953. Sim, o “segredo da vida” foi celebrado com uma bebida. Não duvido que tenha sido no mesmo balcão onde eu pedi meu cappuccino. Mas, como acontece tantas vezes na ciência, essa história tem camadas. Antes do brinde, havia o trabalho meticuloso de Rosalind Franklin, química britânica, cujas imagens de difração de raios-X foram cruciais para que Watson e Crick chegassem à famosa dupla hélice. Sem seu rigor científico e suas descobertas, talvez esse momento nunca tivesse acontecido.
Pensar nisso me fez refletir sobre como momentos tão simples — um encontro, uma conversa — podem mudar tudo. Imaginamos que grandes feitos aconteçam em laboratórios de última geração ou salas de reunião sofisticadas, mas às vezes eles nascem no calor de um pub, entre uma cerveja, uma boa ideia e, em muitos casos, o trabalho silencioso de quem não teve a chance de brindar.
Um brinde a Rosalind Franklin! 🥂
Enquanto segurava minha xícara e olhava para a janela, eu não sabia que, em breve, o DNA se tornaria algo tão pessoal para mim. No mesmo ano, eu faria meu teste1, um marco na minha jornada de autoconhecimento. Mas isso ainda estava no futuro. Naquela hora, eu só queria aproveitar o presente: o cheiro de madeira antiga, o sabor do bolo de cenoura com creme, e o contraste entre o calor dos aquecedores e o frio do lado de fora.
E como se isso já não fosse impressionante o suficiente, o pub também guarda outro tipo de história. Durante o conflito da Segunda Guerra Mundial, pilotos da Royal Air Force frequentavam o local e deixaram suas marcas no teto, escrevendo nomes e mensagens com batom ou o que tivessem à mão. Com meu inglês básico na época, confesso que entendi pouco dessa parte enquanto estava lá. Foi só olhando as fotos depois que percebi a dimensão daquilo. Aquelas assinaturas não eram só rabiscos; eram pequenos testemunhos de coragem, deixados por homens que, dia após dia, encaravam o desconhecido.
Acho que o que mais me marcou no The Eagle foi essa mistura de simplicidade e grandeza. Porque, no fundo, não é isso que a vida é? Grandes descobertas e atos de coragem surgem nos momentos mais cotidianos, até numa pausa para o café.
☕️ E o café?
Dei um gole no meu cappuccino e tentei não rir – digamos que Inglaterra não é o melhor lugar para saborear cafés inesquecíveis. Não estava ruim, mas já tomei melhores. O leite, um pouco mais quente do que deveria, a espuma, meio tímida, e o café... bem, considerando que os ingleses adoram um café solúvel, acho que até saí no lucro. Mas nada disso importava. O sabor ligeiramente amargo, misturado ao aroma da madeira antiga, parecia combinar perfeitamente com o clima do lugar.
Meu clichê do dia
Depois de mais de seis anos tomando cafés mundo afora, aprendi que o importante é dar atenção ao simples. Às vezes, o segredo da vida — ou pelo menos o próximo passo dela — está aí, bem diante de nós.
Próxima edição
Eu gosto de linkar as histórias e muitas vezes eu deixo ganchos como esse aqui👇🏽
Finalmente o “qualquer dia desses” chegou! Em comemoração ao Valentine’s Day, na próxima semana vou falar sobre um dos meus encontros, desencontros amorosos.
Em breve vou contar um pouco sobre meu teste de DNA 🧬
também tenho esse hábito de tomar café nas cidades que visito, sobretudo quando faz frio. gosto do momento de pausa, de observar a vida acontecendo ao redor. o café tem essa aura mágica de permitir olhar para fora que outras refeições não têm.
Cambridge faz parte de alguns dos momentos mais especiais da minha vida <3 Louca para saber suas impressões e "desencontros" em Bath (belíssima também!)