Este texto faz parte da série Cafés pelo Mundo, que será publicada ao longo do mês de fevereiro. Em cada Ensaio, compartilho experiências e reflexões vividas em diferentes lugares, explorando não apenas o sabor, mas as histórias, o ambiente e as conexões que esses espaços proporcionam.
📍 Escrevo de Málaga 🇪🇸, um dos lugares onde o Valentine's Day é comemorado no dia 14/02. Aproveito para celebrar mais um ano acreditando que sou o amor da minha vida ahaha.
Acabou de chegar?
Leia o primeiro texto da série
Um pub, um café e o segredo da vida
E se... em Bath?
Bath é uma cidade que parece saída de um livro. Aquelas ruas de pedra, os prédios georgianos, as termas romanas… tudo tão cuidadosamente preservado que é quase impossível não se sentir vivendo uma história de outros tempos. Eu estava lá em 2019, mas Bath te faz esquecer o presente. Caminhei pelas ruas como uma figurante num romance histórico, mas sem a parte do romance. Não acredito nisso, afinal. No máximo, um flerte educado com um passado glorioso – a cidade, não as pessoas.
🎧 La Mia Storia Tra Le Dita
Para ouvir enquanto faz sua leitura
Como a cidade tem uma forte influência romana, vamos de música italiana. Uma das que mais ouvi enquanto girovagavo1 por Roma, no ano passado.
A Cafeteria
Passei o dia me perdendo entre as termas romanas, as colunas de pedra e as livrarias. Me imaginei, por um momento, como alguém que vivera ali séculos atrás, tomando banho em águas quentes enquanto reclamava da vida cotidiana da Roma Antiga. Afinal, é isso que Bath faz: te transporta, mas sem te avisar que você vai voltar ao mundo real.
Depois de um dia cansativo, resolvi que merecia um lanche e escolhi uma das cafeterias tradicionais da Inglaterra – porque o charme de Bath é que tudo parece ser a tradição. Entrei, peguei meu pedido e não havia lugar para sentar. Nada me parece mais simbólico do mundo moderno do que isso: a cidade é uma obra-prima histórica, mas não tem espaço para quem chega cansado. Permaneci em pé, equilibrando minha sopa com duas fatias de pão tostado e um muffin de sobremesa, esperando que alguém terminasse de comer. Ninguém terminava. Então ele acenou.
O aceno
Ele estava sentado em duas mesas juntas com quatro cadeiras – o que parecia estranho. Quem faz isso em um café lotado? Um homem que gosta de espaço? Um estrategista social? Ou apenas alguém que percebeu que eu precisava de um lugar para sentar? Separou as mesas com um gesto simples, me indicando que eu poderia me acomodar. Agradeci com a cortesia brasileira, de quem já está acostumada a gentilezas inglesas. Sorriu, e antes que eu conseguisse dar minha primeira mordida no pão, ele, que já tinha terminado seu café, puxou conversa.
Era italiano. Não um italiano qualquer, mas siciliano – o que fez questão de pontuar com um certo orgulho que só os sicilianos parecem carregar. Vivia em Bath há 29 anos, o que, convenhamos, já é tempo suficiente para virar patrimônio local. Até aquele momento, eu nunca tinha visitado a Sicília, e ele falou sobre a ilha como se fosse o único lugar no mundo onde as pessoas sabem viver. Falava com paixão, gesticulava com naturalidade, e eu, que não acredito em amor romântico, admito que comecei a entender o charme dos filmes deles.
Foi uma conversa leve, agradável e despretensiosa. Ele parecia interessado em prolongá-la, mas eu estava cansada. Percebendo isso, antes de ir embora, pediu meu telefone. Foi aí que o sarcasmo e o ceticismo falaram mais alto. Disse que no dia seguinte partiria para Bristol e, em dois meses, voltaria para o meu país.
Não faz sentido – eu disse.
Ele não insistiu, apenas sorriu com uma expressão de quem pensava: não foi dessa vez. E foi embora.
Voltei para o hostel e descansei para acordar inteira no dia seguinte.
Se fosse com você, teria dado o número de telefone?
A Barbearia
Ainda tinha uma manhã inteira em Bath antes de partir, e fiz meu passeio com calma. Voltei ao hostel, peguei minha mochila e fui para a estação de trem. Seguiria para o próximo destino: Bristol.
Caminhava por entre os prédios baixos, arquitetura bela, mochila nas costas – tudo como deveria ser, até que ouvi um barulho alto, como se algo importante estivesse acontecendo. Me virei assustada e vi um homem desconhecido atrás de uma janela, batendo no vidro e fazendo gestos desesperados na minha direção. No começo, achei que fosse engano – quem teria algo tão urgente para falar comigo? Fiquei parada, meio perplexa, até que alguém conhecido saiu pela porta do estabelecimento. Era o siciliano.
Estava com um sorriso italiano, digo, siciliano, tão largo que, por um momento, me fez sentir como se fôssemos amigos há muito tempo. Antes que eu pudesse processar a situação, ele me abraçou. Um abraço sincero, daqueles que fazem você esquecer que abraços podem ser constrangedores. Ele me explicou que estava dentro da barbearia, viu meu reflexo pelo vidro, e, enquanto o barbeiro terminava de cortar seu cabelo, mandou que ele me “segurasse” até ele conseguir sair.
Como presente de despedida, ele me entregou um café em lata – a única coisa que conseguiu improvisar naquele momento.
Era um gesto pequeno, mas cheio de significado. Ele insistiu em me acompanhar até a estação, caminhando comigo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Quando chegamos à roleta, nos despedimos. Dessa vez, ele não pediu meu telefone. Apenas sorriu como alguém que sabia que havia feito o melhor que podia naquele curto espaço de tempo.
Sicília, 2024
Até hoje, me pergunto:
E se?
Mesmo não acreditando em amor romântico, fico com essa pulga atrás da orelha.
Estive na Sicília no ano passado e, sim, ele tinha razão: é um lugar que parece ter sido pintado à mão, com uma energia que faz você se sentir vivo em cada esquina.


Talvez ele soubesse disso e quisesse compartilhar mais do que palavras sobre a ilha e fosse a forma dele de dizer que o mundo é muito mais bonito quando dividido com alguém. Ou talvez eu esteja apenas romantizando tudo isso.
O que sei é que, mesmo sendo cética com histórias de amor, essa memória me acompanha.
Meu clichê do dia
Um amor de primavera não precisa durar para ser vivido. E, por mais estranho que pareça, ele é o motivo de um leve sorriso sempre que vejo uma lata de café.
Próxima edição
Já disse que gosto de linkar as histórias e a escolhida para a próxima edição, Nairobi👇🏽
☕️ Até a próxima quarta-feira, de um novo destino.
O verbo italiano girovagare transmite a ideia de um caminhar sem rumo, apreciando a cidade.
Sempre uma delícia te acompanhar pelo mundo! Mas eu, romântica que sou, teria dado o telefone. E já teria marcado esse encontro sem compromisso na Sicília no ano seguinte… 😆😆
eu também não teria dado meu telefone. pode ser que tivesse perdido uma história de amor? jamais saberemos…